Governo abandona política de correção anual, e discrepância entre reajustes e inflação acumulados aumenta
Mário Sérgio Lima
No último dia de 2010, o governo confirmou que a tabela do IRPF (Imposto de Renda da Pessoa Física) -que, desde 2007, é corrigida pela meta de inflação, de 4,5%- não teve mudança para o ano-base 2011.
A defasagem desde 1995, que já superava 64%, deve passar de 70%, segundo cálculos do Sindifisco Nacional.
A tabela precisaria ter um reajuste de 71,5% para compensar toda a inflação acumulada entre 1995 e 2011. Isso significa que os contribuintes têm sido descontados bem acima da reposição dos salários, corrigidos ao menos tendo como base o índice de preços acumulado.
De acordo com o diretor de Estudos Técnicos do Sindifisco, Luiz Antonio Benedito, esse cálculo leva em conta o centro da meta de inflação no ano, estipulada em 4,5%.
A correção anual da tabela tinha como meta assegurar maior justiça tributária. Ao abandonar essa política, o governo expõe contribuintes a uma sobretaxação e provoca alta na arrecadação do IR.
"O governo apresentava a correção como uma benesse, quando é um direito do contribuinte", afirma o presidente do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário), João Eloi Olenike.
Para o supervisor nacional do IR, Joaquim Adir, os ganhos de receita sem a correção não são expressivos. "Sempre que aumenta a renda aumenta a arrecadação."
Segundo especialistas, o ganho de arrecadação sem a correção é equivalente à inflação no ano. A arrecadação do IR deve se aproximar de R$ 18 bilhões em 2010. Sem contar a alta por fatores macroeconômicos, só os ganhos por não corrigir a tabela podem atingir R$ 810 milhões.
CONGRESSO
Para o advogado Lázaro Rosa da Silva, o governo deveria ter enviado ao Congresso a proposta de correção da tabela até o fim de 2010. "Qualquer mudança depois acarreta problema."
Legalmente, é possível fazer alterações durante o ano e definir, se for o caso, a restituição daquilo que foi recolhido em excesso. "Mas isso cria insegurança", diz Bianca Xavier, professora da FGV.
Para o Sindifisco, os ganhos de receita são pequenos ante o prejuízo para os assalariados de mais baixa renda.
"É uma forma burra de realizar a política tributária", diz Benedito. "Os ganhos de capital têm uma taxação proporcional inferior aos rendimentos de salários, o que é outra distorção", acrescenta o advogado Vinícius Branco.
"É burrice não fazer a correção porque, ao retirar o dinheiro do contribuinte, afeta também o consumidor. A não ser que o governo queira, com isso, reduzir a demanda e diminuir a pressão inflacionária. Mas há forma melhor de fazer isso", diz Olenike.
FAIXA MENOR PAGA MAIS
Um outro estudo, da Ernst & Young, indica que o aumento será mais forte para a menor faixa de contribuição.
Enquanto o grupo que, sem a correção, deixa a faixa de isenção (e passa a pagar a alíquota de 7,5%) encara um acréscimo percentual líquido (IPCA menos o IR) de 5,68%, para aqueles que passam da alíquota de 22,5% para 27%, esse percentual cai a 4,32%.
O responsável pelo estudo, Oliver Kamakura, diz que a falta de correção ainda mostra outra face negativa: "Inverte tendência de redução na alíquota efetiva do IR dos últimos dois anos".
As correções da tabela em 4,5% ao ano, de 2007 a 2010, foram adotadas após acordo com centrais sindicais no fim de 2006, para impedir que a reposição salarial pela inflação fosse tributada.
Especialistas cobram aumento das deduções
Uma das formas de tornar mais justa a arrecadação do IRPF, para especialistas, seria remodelar as categorias de dedução.
"É questão de justiça. Se dois estão na mesma faixa de contribuição, mas um é solteiro e o outro tem filhos ou pais idosos dependentes que precisam de medicamentos, não têm a mesma capacidade contributiva. Os valores para as deduções são irrisórios", diz Luiz Antonio Benedito, do Sindifisco Nacional.
Segundo estudo do sindicato, a dedução por dependentes, hoje em R$ 1.808,28 ao ano, deveria ter seu valor ampliado para R$ 2.967,39 para corrigir a defasagem provocada pela inflação.
Para o advogado Vinícius Branco, há despesas que deveriam ser acrescidas à lista.
"O contribuinte paga imposto das rendas provenientes de aluguel de imóvel, mas o inquilino não tem como deduzir essas despesas, e moradia é uma necessidade fundamental. Seguro de carro também deveria entrar."
De acordo com a professora Bianca Xavier, da FGV, o governo por vezes faz a revisão das deduções. "Demorou bastante para eles acrescentarem as cirurgias plásticas entre as despesas passíveis de deduções", exemplifica.
Para o Sindifisco, até as deduções com saúde deveriam passar por uma revisão, pois despesas com medicamentos não são dedutíveis.
"É lógico que sempre há o risco de fraudes, mas não se pode tirar o direito por causa de poucos desonestos", afirma Benedito.
Fonte: Folha de S. Paulo
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