Na batalha do ICMS é cada Estado por si

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Faltando ainda quatro anos para a Copa do Mundo do Brasil, as oportunidades de negócios que o evento proporcionará já sinalizam para mais uma guerra fiscal. Em busca de investimentos, os Estados indicam permitir isenção do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para empresas envolvidas na construção de estádios, além de criarem leis para desonerar a Fifa e outros parceiros de tributos estaduais. Sem regras estabelecidas, a disputa promete...

O ICMS é um dos principais instrumentos da competição por arrecadação movida por concessões de isenções ou benefícios que podem ser anulados judicialmente, acarretando insegurança jurídica e dificultando a concorrência entre as empresas, que muitas vezes mudam de local buscando competitividade. A dificuldade de atualização das mudanças constantes é outro ponto de preocupação para os empresários.

A solução parece tão distante quanto difícil: reforma tributária.


O exemplo do cenário montado para a Copa de 2014 é apenas uma entre tantas disputas que terminam, geralmente, nas vias judiciárias

Teoricamente, a sistemática é simples: “O ICMS incide sobre todas as fases da circulação. Alguns limites são definidos pelo Senado, outros já estão na Constituição”, explica o coordenador do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) e secretário da Fazenda da Bahia, Carlos Martins. Pela Constituição, é direito do Estado de origem o imposto sobre as vendas diretas ao consumidor.

Para o consultor e economista Clóvis Panzarini, ex-coordenador da Fazenda de São Paulo, o ICMS é conceitualmente moderno. “Entretanto, o sistema tributário brasileiro vem sendo deteriorado pela política tributária dos três níveis de governo que, pressionados pela rigidez orçamentária, têm privilegiado a produtividade dos tributos em detrimento dos princípios que devem norteá-los, como os da equidade e da neutralidade, que são fundamentais para a competitividade da economia”, reflete.

Guerra fiscal

As concessões e incentivos financeiro-fiscais de ICMS alimentam a busca por arrecadação e criam impasses. Recentemente, por exemplo, São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro publicaram medidas visando compensar prejuízos decorrentes de incentivos de outros Estados.

A aprovação ou não das medidas no Confaz acaba por postergar e dificultar o entendimento dos empresários sobre as regras.

Outro caso que ilustra o problema é causado pela Fazenda de Rondônia que, desde o ano passado, exige recolhimento de ICMS em operações de transporte de mercadorias no Estado.

Para evitar a cobrança, empresas correm atrás de liminares por entender que o imposto já é pago integralmente na localidade de origem do produto. “O caso de Rondônia é um exemplo eloquente das distorções do ICMS em que os Estados, na ânsia arrecadatória, promovem todo tipo de ineficiência econômica”, avalia Panzarini.

Também está na pauta das disputas o comércio online, responsável por gerar cada dia mais receita: as operações do segmento movimentaram em torno de R$ 10,5 bilhões em 2009.

Pela legislação atual, o ICMS fica integralmente com o Estado de origem do centro de distribuição das mercadorias, majoritariamente situados em SP. Mas há questionamento em torno do tema. Segundo Martins, grande parte da receita deste segmento relativamente novo da economia fica restrita a poucos Estados. “Esta discussão está na ordem do dia do Confaz”, garante.

A questão, destaca Panzarini, merece atenção, pois os sistemas tributários não previram esse tipo de atividade. “É preciso bom senso dos entes federados para promover uma divisão equânime da receita tributária decorrente dessa atividade, cujo controle fiscal não é simples”, recomenda.

De modo geral, qualquer disputa em torno de ICMS é vista como negativa. Para o economista, a guerra fiscal fere o princípio da isonomia, trazendo enorme insegurança jurídica, tanto para as empresas beneficiadas com incentivos fiscais quanto para seus clientes. “Se pode promover descentralização industrial e redução de disparidades regionais, é com o custo muito alto de trazer desequilíbrio de mercado”.

Já para o coordenador do Confaz, a tributação deve ser considerada um dos itens de competitividade das empresas, mas não o único. “Essa questão se resume numa política industrial consistente, que privilegie o desenvolvimento”, recomenda.

As medidas protecionistas, às vezes, podem também ser prejudiciais a negócios do próprio Estado. É o que alerta o vice-presidente do Sindicato das Empresas Contábeis e de Serviços (Sescap) da Bahia, Fernando Lopo, sobre a barreira fiscal que retém o diferencial de alíquota dos empresários baianos que compram mercadorias de fora.

Segundo ele, as empresas enquadradas no Simples Nacional não têm condições legais de solicitar a devolução do crédito e acabam prejudicadas. “Além disto, alguns produtos não são feitos no Estado, o que obriga a transação com empresas de fora”, adverte.

Substituição controversa

Sistemática adotada por vários Estados em uma infinidade de itens, a Substituição Tributária (ST) que antecipa o pagamento do ICMS no início da cadeia comercial é outro ponto crucial de debates, criticado, entre outros motivos, pela imensa quantidade de acordos entre Estados editados regularmente.

O empresário Carlos Consonni, da Platinum Autopeças, conta que foi obrigado a aprimorar sua logística fiscal pela complexidade das transações interestaduais. Com loja em São Paulo e mais oito unidades espalhadas pelo País, a empresa fechou as portas de outras três filias. “Cada Estado tem um sistema. É um verdadeiro caos”, relata.

Martins explica que as atualizações são divulgadas por meio de decretos regulamentares e inseridas nos anexos pertinentes. “Criamos mais uma ferramenta que atualmente está disponibilizada internamente, mas podemos estender ao público externo”, adianta o coordenador do Confaz.

Sobre demais críticas, como o aumento da carga tributaria que compromete o capital de giro das empresas, consequência citada por Lopo, Martins lembra que a ST deve ser usada somente sob determinadas condições: “A mercadoria ou produto deve ser feito por poucas indústrias e o seu consumo pulverizado. O instrumento visa apenas reduzir a omissão em toda a cadeia produtiva. As margens de valor são o resultante do preço real praticado”, afirma.

Panzarini concorda. Para ele, a substituição tributária tem de obedecer a determinados princípios, como a homogeneidade de produtos e preços, gargalo bem definido na cadeia produtiva e, principalmente, ser implantada em nível nacional.

O uso desregrado como vem acontecendo, na opinião do consultor, produz verdadeiro caos na economia, com enormes distorções. “Ainda que a média presumida tenha sido corretamente calculada, todos que operam com margens inferiores acabam tendo carga tributária mais alta do que aqueles que operam com margem acima da média setorial”, sinaliza.

A salvadora reforma

Diante de tantos dilemas, a solução parece ser a prometida reforma tributária. Voltada a melhorar as condições competitivas do setor produtivo, poderia garantir o crescimento econômico sustentado. Apesar da concordância sobre sua necessidade, desatar os nós criados pelas disputas configura-se tarefa das mais complicadas.

Para Panzarini, antagonismos federativos e a desconfiança decorrente dos desequilíbrios na correlação de forças no Congresso Nacional comprometem qualquer proposição um pouco mais ousada de reforma do sistema fiscal. “Existem vários conflitos federativos a serem superados. Todos querem ganhar com a reforma tributária e, para que isso aconteça, quem perderá mais uma vez é o contribuinte, que sofrerá aumento de carga tributária”, reflete.

Como depende de aprovação legislativa e envolve interesses múltiplos – do empresariado, dos governos e dos cidadãos, entre outros –, o coordenador do Confaz recomenda prudência e um debate amplo. Mas também defende a importância da reforma: “Se existe um ponto de entendimento entre os Estados é a de que esse modelo baseado na guerra fiscal já se esgotou, pois, na prática, torna-se um resultado de soma zero”, complementa Martins.

Lopo e Consonni reforçam a urgência da reforma: “A complicação da legislação dificulta o entendimento e promove sonegação. A lei precisa ser clara e objetiva”, destaca o empresário.

O governo da Bahia posiciona-se a favor da reforma e do fim da guerra fiscal, prossegue Martins, “desde que sejam implementadas medidas que impeçam a perda de arrecadação”.

O problema, reforça o economista Panzarini, não é técnico, mas político. “Aprovar no parlamento um modelo tributário que supere todos os conflitos e atenda aos interesses regionais, estaduais e municipais não é tarefa trivial. Imaginar um sistema tributário simples e eficiente é muito fácil. O difícil é aprová-lo, pois qualquer reforma inevitavelmente implicará perdas e ganhos”, rebate.
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