Abstratos, mas valiosos

Com a chegada da Lei 11.638, o valor dos bens intangíveis passou a ser calculado no balanço contábil.

Lara Ely

Você chegou ao supermercado e todas as caixas de sabão em pó são iguais, as embalagens têm mesmo formato e cor, sem nome ou rótulo, apenas o conteúdo é diferente. Como reconhecer o produto? Por trás da marca, estão não só as características que conquistam a preferência do consumidor, mas também investimentos em inovação e tecnologia. São esses conceitos que permitem transformar a marca em algo extremamente valioso. E mais: garantir melhores financiamentos nos bancos, facilitar ações junto ao governo federal e, inclusive, facilitar uma negociação futura.

Muitas empresas tiveram uma grande valorização de seus ativos intangíveis, como marca, patentes, embalagens, procedimentos e franquias, principalmente após a entrada em vigor da Lei 11.638 (IFRS). As regras revisadas e emitidas pelo Comitê de Normas Internacional de Contabilidade (IASB) exigem que novas áreas sejam mensuradas a valor justo e dão origem a novos desafios aos avaliadores.

Apesar de o assunto ganhar repercussão, conhecer o valor da marca ainda não é uma prática comum na maioria das empresas. Segundo Eduardo Rêdes, sócio da área de Transações da Ernst&Young, os direcionadores dos intangíveis são diversos. “Se engarrafar a Coca-Cola e tirar o rótulo, o produto vai vender menos”, exemplifica.

O cálculo inclui a estimativa da receita a curto, médio e longo prazos e também os recursos extras gastos com a marca, incluindo os royalites. É a chamada “projeção dos resultados futuros” o que define o valor.

Segundo a Lei da Propriedade Industrial, que regulamenta a questão, é preciso declarar quais os artigos intangíveis que devem entrar na equação. Marcas, relacionamento contratual com o cliente, fidelidade do consumidor, tecnologias que são específicas do setor fazem parte desta lista.
Outro conceito levado em conta é o mindshare, ou seja, o quanto uma marca é lembrada pelos consumidores. É preciso um investimento muito pensado para ter esse destaque de ser lembrado como referência de qualidade ou sinônimo de bom produto mesmo sem ser comprado. É a chamada valoração intangível. Por outro lado, há uma base de consumidores que entende seu produto como uma referência de qualidade, mas não necessariamente o consomem imediatamente. É o que acontece com a marca Calvin Klein. Muitas pessoas que a conhecem não têm condições de comprá-la, mas o fazem assim que sua situação econômica muda. “Isso não se pode quantificar”, afirma Rêdes.

Projeção de lucro depende do tipo de empresa e avaliação estratégica

Há inúmeras formas de fazer a avaliação do valor intangível. Para o advogado Gustavo Augusto Hanum Sardinha, especialista em ativos intangíveis, avaliação estratégica de marcas e direito do consumidor, a melhor forma é a que a legislação indica: contabilizar os ativos intangíveis. A metodologia a ser utilizada vai depender do tipo de empresa e do seu fluxo de caixa contábil. Outras formas seriam relativas à possibilidade de geração de lucro, a projeção no tempo, o ramo, a forma societária e, além disso, a análise do produto e sua participação de mercado.

Autor do livro Marca Comercial: Quanto vale a sua?, o advogado explica que são várias as formas de se chegar ao resultado. São muitos os recursos utilizados por grandes corporações de todo o mundo em técnicas avançadas de branding. “Qualquer que seja o método, a marca só tem valor se ela está incrustada na cabeça do consumidor”, afirma.

Ele exemplifica com o lançamento do carro modelo Classe A, da Mercedes-Benz. A iniciativa representou uma tentativa de popularizar a marca no Brasil, mas como o produto era incompatível com o perfil do consumidor Mercedes-Benz, a ação foi frustrada. “Isso de certa forma desvalorizou e teve impacto negativo na marca, que era conhecida por marketing de luxo. A ação foi tão catastrófica que a linha saiu de fabricação”, afirma.

Qualidade, experiência e associação definem colocação

As marcas têm pesos diferentes, que variam de acordo com a projeção no mercado, reconhecimento, valor intrínseco pelo público-alvo e pela capacidade de alavancar o faturamento das empresas. Quanto maior o investimento na projeção, por marketing e comunicação, maior a possibilidade de alavancar os resultados.

O administrador João Fernando Moreira Júnior, gerente comercial da Marpa Marcas e Patentes, explica que há diferentes metodologias para se precificar uma marca. Os profissionais capacitados para fazer esse tipo de avaliação são pessoas da área de Ciências Contábeis credenciados junto a algumas entidades para fazer avaliação, respeitando normas da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), do Banco Central, da Lei das S.A., além de normativas técnicas do Banco Central e Receita Federal.

Há aspectos que mesmo as pesquisas não conseguem quantificar por se tratar de uma questão mais qualitativa. “Tem quesitos que são de difícil mensuração”, ressalta Moreira Júnior, referindo-se a fatores como qualidade, experiência e associação. Um exemplo disso é que uma marca como a Varig, que teve muitos contratempos em sua história, agora está sendo utilizada pela empresa Gol (sua nova proprietária) nas rotas internacionais. Isso porque o consumidor associa a alta qualidade aos tempos áureos do nome Varig. Um outro caso citado pelo especialista é da Rotermund, que, mesmo estando há muito tempo sem investir em mídia, é sempre lembrada pelas empresas que querem comprar agendas para distribuir aos clientes. Nesse caso, é uma questão de experiência e tradição.

A Lei da Propriedade Industrial, que orienta o registro de marcas no Instituto Nacional de Propriedade Industrial, recomenda às empresas que procurem se proteger e registrar suas formas. “Posso explorar uma marca que é detida por terceiros, faço todo um planejamento e depois não posso usar. Isso seria um desperdício de tempo e dinheiro”, adverte.

Mídias sociais tem impacto na divulgação

A ascensão das redes sociais demarcou uma nova fronteira na forma de divulgação e relacionamento entre as marcas e seus públicos-alvo. Estar conectado aos sites de relacionamento e monitorar a opinião dos participantes não é apenas um diferencial para quem quer se posicionar no mercado, mas uma necessidade.

Por ser um canal para encontrar o consumidor, a prática se tornou uma questão de sobrevivência para as companhias, argumenta Eduardo Rêdes, sócio da área de Transações da Ernst&Young. “Estamos sendo monitorados por todos os lados e, por isso, temos que estar posicionados em todos eles. Há várias mídias que se pode medir a opinião do consumidor.”

Ao mesmo tempo em que se apresentam como um precioso suporte de divulgação, as mídias sociais podem apresentar um risco à imagem da empresa. Para o advogado Gustavo Sardinha, o papel das redes é tão forte que elas são decisivas na divulgação, mas essa formação de opinião pode ser tanto para o lado bom quanto para o lado ruim. Aqueles que não têm atenção voltada ao consumidor das mídias sociais podem ter um decréscimo nas vendas, pois, se o internauta fala mal, vai atingir muitas pessoas, e ninguém da empresa vai saber. Por outro lado, se as marcas fazem gestão rápida disso, podem contornar o resultado negativo e usar a situação a seu favor, como uma oportunidade de se retratar com o cliente.

Um exemplo recente foi o lançamento do iPhone 4, situação em que as mídias sociais tiveram papel importante ao alertar sobre um problema de transmissão no sinal. Ao ser pulverizada na internet, a informação sobre problemas de conectividade do aparelho fez com que muitos consumidores deixassem de comprá-lo. Cobrada por pelos usuários, a Apple teve que se retratar, e ao divulgar práticas de melhoria via internet, encontrou uma forma de contornar o problema. “A avaliação da marca, ao contrário do que todos pensam, pode ser uma boa ferramenta para o empresário”, argumenta.

Pegar carona nas mídias sociais para fazer crescer o valor da marca e se aproximar dos seus públicos de interesse. Essa é a sugestão do gerente comercial da Marpa Marcas e Patentes, João Fernando Moreira Júnior, em relação à divulgação por meio das mídias sociais. “É extremamente importante porque é livre, sincero e voluntário. Hoje qualquer empresa que está em crescimento valoriza a opinião advinda das mídias sociais, pois é um feedback gratuito, em que valem tanto as reclamações quanto os elogios.”

Fonte: Jornal do Comércio
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